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Existe um fenômeno curioso acontecendo diante dos nossos olhos. Artistas, influenciadores e gente comum embarcaram em algo que chamo de Efeito Power Rangers. De uma hora para outra, o indivíduo reaparece com um rosto novo, quase sem conexão com o original. Tal qual os heróis que se metamorfoseiam à vontade, só que sem o uniforme para justificar a mudança.
Dois casos recentes me chamaram atenção no Brasil: a cantora Anitta e o cantor Latino. Não quero julgar ou entrar no mérito dos procedimentos estéticos. Cada um faz com o próprio rosto o que quiser. O ponto é outro. É identidade.
Cada um de nós carrega um código genético que determina nosso front-end individual. É ele que nos torna únicos entre os mais de 7 bilhões de pessoas no planeta. O que temos visto vai na contramão dessa lógica da natureza. Multiplicam-se versões alternativas de pessoas reais, calibradas por padrões estéticos uniformes e tão voláteis quanto a impaciência dos algoritmos.
Os lábios engrossam até perderem o contorno.Os queixos aumentam a ponto de rivalizar com esculturas renascentistas. Os dentes militarmente perfilados e alinhados brilham mais que luminárias de LED com centenas de watts. De repente, o que surge é um batalhão de rostos quase idênticos. Pessoas distintas moldadas no mesmo formato, como se fossem fabricadas em série.
O fenômeno não é exclusivo das pessoas. Basta olhar para parte da arquitetura contemporânea. Fachadas com as mesmas linhas retas, a mesma paleta cinza, o mesmo alumínio, vidros, etc. A estética monocórdica que transforma cidades inteiras em ambientes genéricos. Mais do mesmo. Sempre o mesmo.
O ponto é simples. Quando tudo se parece demais, nada se destaca.
É aqui que o paralelo com o universo das marcas se torna inevitável. Empresas também se deixam seduzir pelo rebranding impulsivo, pela estética da moda, pela ânsia de parecerem atuais. E, no entusiasmo da “modernização”, acabam perdendo justamente aquilo que lhes dava identidade.
A Jaguar que o diga. Uma mudança tão brusca gerou discussões homéricas sobre sua descaracterização. A GAP investiu 100 milhões de dólares em um logo que resistiu apenas seis dias. A Kraft Foods, após quatro anos de um reposicionamento estético que prometia modernidade, voltou ao cerne visual original para recuperar a essência perdida.
Esses casos mostram que o apelo do agora pode ser traiçoeiro. A moda vai e volta. A opinião coletiva oscila. O algoritmo vira do avesso. Como canta Lulu, é um indo e vindo infinito. O perigo está em olhar só para o que está vizinho, quando o olhar deveria estar no que se avizinha.
Mudanças estéticas só fazem sentido quando nascem de escuta profunda. O cliente é o oráculo da marca. Não no sentido místico, mas prático. Ele é quem reconhece, quem valida, quem enxerga a identidade que a empresa talvez nem perceba mais. Ignorar essa leitura para seguir uma tendência visual é o equivalente corporativo a mudar o próprio rosto sem perceber que, ao final, ninguém mais reconhece quem você era. Talvez o próprio FaceID tenha dificuldades.
Você pode ter lembrado do Michael Jackson que passou por transformações ao longo de anos. A transição foi gradual, quase silenciosa. O famoso sapo na panela aquecida aos poucos. Já Anitta, Latino e tantos outros apareceram com a água fervendo antes que alguém percebesse que havia panela.
O imediatismo é que é o problema. Todo mundo sabe que a pressa é inimiga da perfeição. É isso que gera estranhamento. A mudança brusca desconecta. E, quando o público perde esse fio, precisa ser conquistado novamente, do contrário ele vai embora.
No fundo, branding é identidade e estética é superfície. Marcas podem, e devem, evoluir. Mas não podem abrir mão de serem reconhecíveis. Preservar o DNA enquanto se projeta o futuro. Só assim se evita a armadilha da homogeneização e das tendências passageiras onde todos se parecem.
Porque, se lá dentro ainda forem a Anitta, o Latino ou a Jaguar, mas por fora ninguém mais os identificar, talvez seja hora de “rejuvelhecer” e resgatar o “eu” original.
Num mundo em que se fala tanto em diversidade e que a moda é ser igual, prefiro continuar démodé.