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Padre Airton faz reflexão sobre os desejos do ser humano


Padre Airton Freire (Foto: Divulgação)

Existe uma realidade fundamental que percebo em mim e da qual eu não posso me esquivar ou me negar. Todas as vezes que penso em mim em relação ao outro, que perto ou longe de mim possa estar, eu me percebo como um ser de desejo que, verdadeiro ou alienado, nessa relação poderá estar. Percebo-me como um ser de desejo por ser um ser de falta e, enquanto faltante, por conseqüência, desejante, haverei de ser ou de estar.

Um desejo anterior a mim, constituiu-me. Antes que eu nascesse, meus pais falavam sobre mim, escolheram um nome para mim, nomearam-me, localizaram-me em determinado lugar na constelação familiar. São condições e possibilidades de um desejo que vejo, agora, concretizado em mim. Atualizado em outros, em diversas situações, nem sempre eu me percebo que esse desejo está. Por isso, facilmente, nas relações interpessoais, pode-se derivar da relação eu-tu para a relação eu-coisas, eu-isso e, por isso, de constante, ciente disso eu preciso estar. O próprio nome que trago comigo, a partir do qual eu sintetizo tudo o que a mim é referido, foi, um dia, nome dado por outro a mim. Nessa condição, eu era apenas suporte e, diferentemente, não poderia ser.

O risco que isto traz é que, nascendo ou tendo nascido eu, como um ser de falta, trazendo comigo um desejo e por ele marcado, como um desejo que foi, na sua matriz, desejo do outro, eu posso fazer também, das relações interpessoais do outro, um desejo no qual eu queira me ancorar. Ao fazer isso, mesmo sem perceber, torno a relação eu-isso, com negação e empobrecimento do potencial que o outro, na sua singularidade, teria a oferecer. Dar respaldo a tal relação, é, de per si, a negação do que a alteridade faz acontecer. As relações conflituosas, sempre presentes nas relações interpessoais, dizem, por vezes, dos momentos em que os limites do próprio desejo, de quem primeiramente o traz consigo, não são reconhecidos.

Eu preciso saber que, embora tudo queira, nem tudo eu posso, muito embora alguém já tenha dito que querer seja poder. Mas, se querer é poder, por quê não querem sempre os que podem, e por quê não podem sempre os que querem? O que responde por esta cisão, por este espaço de realização ou de frustração que, por vezes, entre seres humanos que bem se querem não possam ver esse bem efetivamente acontecer? O que responde por esta cisão, por este espaço de não realização entre dois seres que, mesmo se querendo, nem tudo podem fazer?

O que acontece é o limite da própria humana condição. Então, enquanto ser de desejo, percebo-me também como ser limitado. Se o desejo me lança para o princípio que nega o princípio da realidade, a própria realidade haverá de balizar que, para muito aquém ou muito além de tudo o que eu desejo, uma verdade, entre mim e o que eu quero, há de se interpor. Pela vida inteira, isso acontecerá.

O desejo está feito ao princípio do prazer; o princípio de realidade põe limite ao meu querer, e é possível e é preferível que, ao não perceber que o objeto do meu desejo, sempre a meu bel prazer, possa se realizar, que eu tenha a capacidade de absolver e absorver onde eu não possa chegar. Do contrário, frustrações inteiras, ao longo da vida, irei colecionar, e só existem, para isso, duas vias: ou eu me coloco no lugar daquele que é carente de ter quem desse estado possa se compadecer, pelos ganhos secundários que essa situação traz consigo, ou então eu enfrento, pelas vias da superação, admitindo cortes, podagens para realizar com maior eficácia e, em outras condições, o que resta por se fazer. O que nós não podemos fazer é deixar a coisa como está e, por outras vias, buscar compensações para não querer, naturalmente, superar. Está em ti a posição que tu vais tomar.

Por Padre Airton Freire

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