HOME Notícias
Com registro civil de nascimento anulado, cearense luta para conseguir renovar documentos

Rita Paz teve certidão anulada após processo aberto por então esposa de seu pai

Foto: Natália Coelho

Rita Maria Gomes Paz tinha apenas 14 anos quando tirou seus documentos. Ela tinha acabado de terminar a 4ª série do Ensino Médio e vivia com a mãe no Centro, depois no Antônio Bezerra e Jardim Iracema. Com identidade e carteira de trabalho, começou a trabalhar, uma forma de ajudar nas contas de casa e buscar sua esperada independência. 

Começou a trabalhar numa fábrica de castanha, assim que conseguiu o documento. Ela não conhecia o pai, viveu sempre somente com sua mãe. Mas foi também naquela época que decidiu procurá-lo. 

“A mulher dele não deixou eu ver ele, me botou pra correr. Me humilhou muito, disse que eu não era filha dele, era uma bastarda. Mas aí na outra vez, eu fui lá na estrada de ferro, que ele trabalha, e fui atrás de falar com ele e ele virou as costas pra mim. Ele trabalhava como maquinista”. 

Decidiu deixar para lá. Sua busca, na verdade, era outra. Queria independência, poder construir sua vida. Seguiu trabalhando, passou por restaurantes, lavanderias e seguiu como doméstica. Tinha 21 anos quando saiu de casa e teve sua primeira filha, Cristina. Depois a Daiane e o David. Registrou todos, trabalhou para sustentá-los e, por muitos anos, não ouviu mais falar de seu pai. “Minha filha foi lá atrás dele. Ela já era casada, tinha 20 anos, eu tinha 35. Mas eu não fui lá”. 

Rita hoje tem 52 anos, já é avó e foi em 2021 que decidiu se casar de novo. “O nome dele é Izaquiel dos Santos. A gente vive juntos já vai fazer seis anos. E eu quero me casar com ele”. Foi então atrás de seu cartório para conseguir uma nova via da certidão de nascimento, documento necessário para o casamento. 

“Eu fui tirar xerox do meu registro porque ele tava muito rasgado. Queria me casar e renovar a identidade. Quando eu cheguei lá, disseram que meu registro tava anulado, que eu não existia no mundo”. Frustrada, sem orientação certa sobre o que fazer e depois de inúmeras idas à Defensoria Pública, ela conseguiu encontrar a resposta sobre o que aconteceu com seu documento. 

O que aconteceu com Rita foi uma história incomum. Ela teve o registro anulado após a esposa de seu pai ter entrado na justiça pedindo pela anulação por Rita ser filha “fora do casamento”. O caso, que se fosse hoje, seria inconstitucional, foi possível por ter sido tranmitado antes da atual Constituição, de 1988. 

“O caso da Rita chama atenção, principalmente, por se tratar de um pedido de anulação de registro com base nos ditames do Código Civil de 1916. A legislação da época previa que filhos havidos fora do casamento não teriam os mesmos direitos daqueles denominados ‘legítimos’. Tais previsões já se encontram revogadas por promoverem a diferenciação entre filhos, legitimando a discriminação”, destaca a advogada de Rita, Larissa Falcão.

Leia também | Novo decreto federal cria carteira de identidade nacional com número único

Sem registro, Rita não consegue receber benefícios do governo, renovar documentos ou ainda se inscrever em programas sociais. “Sem o seu registro civil, Rita se torna invisível aos olhos do Estado, não podendo, portanto, exercer sua cidadania. Dessa forma, Rita não tem acesso a diversos serviços e políticas públicas”, acrescenta a advogada. 

O que se fez e o que falta fazer
Ainda em 2021, junto a sua advogada, Rita entrou com um pedido de retificação do registro. É necessária uma resposta do Ministério Público, que deverá confirmar se há ou não necessidade de outras provas que confirmem a filiação de Rita. Depois disso, o processo entrará em julgamento.

“Infelizmente, não se tem como prever quando o processo será finalizado, visto que o trâmite processual conta com inúmeros passos e regras que devem ser seguidos a fim de se resguardar o devido processo legal”, acrescenta Falcão.

A advogada entrou com a primeira petição junto à Justiça Estadual em 19 de dezembro de 2021. A última movimentação foi feita pelo Ministério Público, que pediu para que o Cartório RCPN, responsável pela certidão de Rita, se manifestasse sobre o caso no último 21 de junho. 

Alegre, animada e feliz com suas conquistas, Rita não é de ficar parada. Tem o sonho da casa própria, adora doces e se diverte com o próprio dia a dia. Para ela, seu principal problema a resolver é conquistar novamente sua identidade, que tanto representa a conquista de seus direitos quanto a reafirmação de sua própria história. 

PUBLICIDADE