HOME Notícias
Ex-apresentador do Roda Viva, jornalista Ricardo Lessa lança livro em Fortaleza; veja entrevista

No próximo 8 de outubro, o autor chega em Fortaleza para o lançamento do livro “Como Girei a Roda"

Foto: Lino Vieira

O comunicador Ricardo Lessa tem uma vasta história no Jornalismo. Ex-editor de Política do jornal O Estado de S. Paulo e ex-apresentador do programa Roda Vida, o jornalista passou por diversos veículos de grande relevância no Brasil, tendo construído uma trajetória de relevância e credibilidade.

No próximo 8 de outubro, o autor chega em Fortaleza para o lançamento do livro “Como Girei a Roda: bastidores e intrigas do Roda Viva revelados por um de seus apresentadores”. O evento ocorre às 11 horas, na Associação Cearense de Imprensa e é aberto para todos. 

Lessa conversou com a Frisson sobre sua trajetória e compartilhou dicas para estudantes de Jornalismo. Confira: 

Frisson: Primeiramente, sobre o começo da sua trajetória. O que levou o senhor ao Jornalismo? Algum dia pensou em mudar de profissão? 

Ricardo Lessa: Comecei o cursinho para Engenharia e descobri que não me interessava em trabalhar em escritórios. No mês de meu aniversário, antes do vestibular, mudei para a área de humanas. Mas creio que só me apaixonei mesmo pelo Jornalismo quando comecei a trabalhar no Jornal do Brasil, em 1975, um grande jornal, com uma redação enorme na época. Ler e escrever para mim são desde cedo um grande prazer. A profissão nos permite mudar sempre de lugar, de ambiente, conhecer sempre gente nova, explorar novos conhecimentos. É a profissão ideal para os curiosos. Mudar de profissão creio que nunca pensei, mas já pensei em variantes, tipo ensinar jornalismo ou entrar num curso de história do Brasil, que é outro campo que me interessa bastante. 

Frisson: O senhor tem uma carreira vasta, tendo trabalhado em vários veículos de notícias. Mas onde o senhor sente que mais cresceu no jornalismo? 

Ricardo Lessa: Aprendi um pouco em cada veículo, em cada local em que trabalhei. No Jornal do Brasil trabalhei ao lado de grandes mestres, igualmente na TV Globo e na TV Manchete. Na Voz da América tive experiência em Rádio. Na revista IstoÉ aprendi muito a trabalhar o texto.

Frisson: O senhor atualmente escreve para a revista Piauí, certo? Onde mais o senhor escreve ou participa e quais assuntos o senhor comenta? 

Ricardo Lessa: Escrevo semanalmente para o jornal Valor, na área de Publicidade e Marketing, colaborei para a Piauí e também para o jornal 451, de livros. Gosto muito de comentar sobre o Brasil, história, economia e política. Viajei por todo o país, conheci todos os estados e capitais, mas ainda falta muito para conhecer e tudo muda muito rápido no Brasil. Em cinco ou seis anos, uma cidade muda completamente.

Frisson: Como ex-editor de Política e escritor do assunto, como o senhor vê as eleições de 2022? Há de fato alguma diferença dela para a de 2018 ou 2014, por exemplo?

Ricardo Lessa: Atualmente temos uma  polarização muito acentuada entre um presidente candidato à reeleição e um ex-presidente que disputará um terceiro mandato. Duas imagens muito fortes que se contrapõem. Em eleições as diferenças e oposições existem sempre, mas agora temos um dos candidatos de tendências claramente antidemocráticas. Que trata o adversário não como adversário, mas como inimigo, que merece ser destruído, algo que não é aceitável numa disputa eleitoral. Nos anos 80, havia o contra e o a favor do regime militar, que acabaria com as eleições indiretas. Mas não se falava em "eliminar", a oposição.

Frisson: O senhor lançou recentemente o livro “Como Girei a Roda: Bastidores e Intrigas do Roda Viva Revelados por um de Seus Apresentadores”. Durante seu tempo como âncora, quais detalhes não vistos pelo espectador você conseguiu perceber? Pode nos dar uma prévia do seu livro? 

Ricardo Lessa: Não só na TV Cultura, mas em outras TVs , há sempre tentativas de restringir a liberdade de informação, de dirigir alguns assuntos, e de interferir no trabalho do jornalista. O Roda Viva é o programa de entrevistas e debates mais tradicional em ação na TV brasileira. É o mais importante da TV Cultura, assim como o Jornal Nacional é para a TV Globo. O que eu conto no livro é esse embate constante entre garantir o espaço de livre debate e as tentativas de dirigentes da TV Cultura e do governo de São Paulo, que ficou muito clara com a nomeação de uma pessoa próxima de João Dória para a dirigir a TV e interferir no Roda Viva. São sempre ações não declaradas, não explícitas, silenciosas, que o público não fica sabendo e muitas vezes nem o jornalista. No livro eu mostro algumas dessas ações que atingem o jornalista, a liberdade de imprensa, mas são normalmente ocultadas. Isso numa TV pública parece mais grave, porque supostamente ela deve prestar um serviço público.

Frisson: O senhor entrevistou os principais candidatos à presidência de 2018 no Roda Viva. Como acha que essas entrevistas conseguiram fortalecer a democracia? 

Ricardo Lessa: A informação é um dos pilares da democracia. O público deve ser bem informado para escolher bem. Por isso os debates na televisão são tão vistos e tão importantes. No Roda Viva temos uma condição muito especial, com seis jornalistas questionando os candidatos. É ainda mais revelador. Os candidatos deixaram muito claro o que pensavam, as equipes dos partidos também foram convidadas para falar de grandes temas, como segurança, educação e saúde. Esse é o papel do jornalismo, informar e levar ao público eleitor a maior quantidade de dados possíveis aos eleitores que iriam decidir sobre os candidatos. Creio que cumprimos nosso papel. Outros canais fizeram também programas especiais, depois do Roda Viva com vários jornalistas entrevistando o candidato. É ótimo que outras TVs promovam mais debates livres, o público sai ganhando. 

Frisson: Nas suas colunas da Piauí, o senhor falou sobre o discurso antivacina e a piora do Brasil durante o governo Bolsonaro. 

Ricardo Lessa: Entrevistei a autora de um livro que fala justamente como os rumores, boatos, fakenews prejudicam a vacinação em geral, não só do Covid. Líderes religiosos em outros países do mundo pregaram  contra a vacina da pólio e outras além da Covid. Nesses países o número de mortes foi maior. Os países que não levaram a sério o vírus da Covid tiveram mais mortos. E fizeram a população sofrer mais do que se  houvesse uma ação mais coordenada e incisiva do governo. O Brasil ficou em segundo lugar mundial em número de mortos pela Covid, superado só pelos Estados Unidos onde a campanha anti-vacina promovida pelo ex-presidente Trump e pelos atuais governadores ligados a ele é muito forte. Os dois países são os campeões de morte, acima de países mais pobres e com maior população. As pessoas elegem seus governantes para que cuidem do seu bem estar e não para que o menosprezem. Foi o que aconteceu no governo Bolsonaro.

O Jornalismo dessa década passa por mudanças em relação ao digital, à conquista de espaços e ao código de ética. Acha que é uma crise que a profissão está conseguindo se adaptar ou ainda teremos muito caminho pela frente? 

A sociedade mundial está passando por uma mudança profunda com a digitalização de todos os meios que eram físicos. O jornalismo, a publicidade, as máquinas, tudo está sendo substituído rapidamente por imagens e programas que fazem seu papel. Tudo está acontecendo muito rápido e a veiculação de informações nesse mundo digital ganha volume e perde densidade e profundidade. Esse processo de transformação não volta para trás. Nós, jornalistas, temos que nos adaptar continuamente. Descobrir caminhos e manter nosso rumo de ética e consistência,

Frisson: Outra crise da informação são as fake news. Como as fake news atrapalham a democracia? E como o jornalismo consegue combatê-las, principalmente quando vindas de fontes oficiais e autoridades?

Ricardo Lessa: A palavra fake news foi colocada em circulação pelo ex-presidente Trump, acusando a imprensa de fakenews. Ele queria justamente desmoralizar o jornalismo mais comprometido com a ética e a busca dos fatos, acusando-o de falso, querendo ser ele mesmo o portador da verdade, que ele chamou de verdade alternativa. Trata-se na verdade da mentira veiculada como a tal verdade alternativa, de Trump e seus admiradores. São mentiras simplesmente, negações de fatos. Como dizer que uma epidemia mundial era uma gripezinha, ou que uma previsão de cientistas do mundo inteiro sobre crise climática seja coisa de comunista. Esse tipo de coisa.

Esse recurso de veiculação de mentiras por autoridades têm o objetivo de confundir a cabeça do público, gerar dúvidas, uma mentira em seguida é substituída por outra. E com a ajuda das mídias sociais elas provocam reações emocionais e apelam aos instintos mais irracionais dos seres humanos como medo e ódio. O jornalismo apela para a razão mas dificilmente chega a produzir reações do nível instintivo primário. O jornalismo pode gerar notícias que emocionam a população no sentido da solidariedade, da compaixão, que são comportamentos mais elaborados na mente humana, enquanto o instinto é primitivo. 

Frisson: Como profissional experiente, que dica o senhor daria para estudantes de jornalismo?

Ricardo Lessa: Leiam muito, observem muito, ouçam muito, tenham sempre olhos muito abertos e a cabeça pensante. Não aceitem respostas simples para problemas complexos. Cada vez recebemos mais informações de muitos lados e veículos. Procure selecionar o que é lixo e o que é importante. A grande disputa dos veículos é pela atenção. Estamos afogados em informação e sedentos por sabedoria. Precisamos sempre buscar o que é importante para cada um e para a sociedade como um todo, para o mundo dos seres humanos, para nossa própria sobrevivência e realização. A mentira existe desde que o mundo é mundo. E os mentirosos não se apresentam como mentirosos. Muitos se apresentam como donos da verdade. Para felicidade geral, a verdade não tem dono. Porém as promessas mentirosas e atrativas, são mais fáceis, baratas e proliferam à nossa volta. O jornalista tem como missão chegar o mais próximo possível da verdade dos fatos e transmiti-los aos leitores, ouvintes e internautas.

 

PUBLICIDADE