Sob diversos ângulos, o mesmo fato pode se enxergar. Por exemplo, tu podes dizer que ninguém merece o teu esforço, que ninguém merece todo o tempo, por alguma razão, despendido, considerado por ti perdido. Ninguém merece anoitecer sem ter amanhecido, ninguém merece tudo o que tens vivido. Não vale a pena a pena já sofrida, não vale a pena o tempo gasto numa solução que, por injusta, pode ser definida e entendida. Não faz sentido viver, outra vez mais, o mesmo até então vivido, depois de tudo o que foi dito e feito, como se agora dissesse tanto faz. Ninguém merece, depois de tudo ter passado, acontecido, após ter sido largamente acreditado, perceber que, afinal, nada restou...
Essa é uma forma de compreender o que, de ângulo oposto, do mesmo fato, poderia - se bem dizer: apesar de tudo o que aconteceu, valeu. Mesmo na dor, aprendi. Foi
por erros e acertos, que aqui cheguei e, se perdas houve, em alguns pontos também venci. Mesmo onde perdi, houve aprendizado. Agora, eu conheço mais a mim e ao outro e, por isso, não me sinto mais isolado. Tenho razões para continuar porque, integrando o que vivi, eu posso precaver-me acerca dos erros que eu sei que cometi e sei que, no bem, eu posso ainda continuar a acreditar. Se alguma vez decepcionei e também fui decepcionado, já estou ou deixo em aberto vir a estar arrependido.
Ninguém, que eu conheça, é infalível, mas, se eu amar a verdade e nela quiser caminhar, ela estará ao meu lado. Por isso, vale querer continuar, vale acreditar, pois, se não continuar, por não acreditar, já estarei derrotado muito antes da batalha começar. Eu preciso me precaver, para não vir de novo a cometer erros já cometidos, pois, ao não discernir ou agir apenas de acordo com uma tendência, eu posso perceber agora quais as devidas ou indevidas conseqüências. Mas, de tudo o que aconteceu, eu posso dizer: valeu. Vivo e são estou aqui, malgrado as marcas do coração. Se perdas houve, foram, sobretudo, as perdas da ilusão. Estou fortalecido. A longa noite passou, o dia chegou. Estou amanhecido e decidido a querer continuar.
São duas formas diferentes de perceber e se posicionar diante de um mesmo fato. Um concerne à lamuriação; o outro, à superação. Quanto a ti, hás que fazer o que
se ordenará em função de um para quê.
Por Padre Airton Freire