HOME Notícias
Psiquiatra infantil, Alexandre Aquino fala sobre fadiga pandêmica e autocuidado

Formado em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC) em 2003, o médico Alexandre Aquino já exerce a profissão há quase 20 anos em Fortaleza

Foto: Lino Vieira

Formado em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC) em 2003, o médico Alexandre de Aquino já exerce a profissão há quase 20 anos em Fortaleza. Tendo feito residência em Psiquiatria no Hospital Mental de Messejana, onde concluiu no início de 2008, é atual atual presidente da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil e Profissões Afins no Ceará (Abenepi), além de chefe do serviço de Psiquiatria do Hospital Geral de Fortaleza, contando ainda com um mestrado em Farmacologia Clínica pela UFC. 

O psiquiatra conversou com a Frisson sobre a pandemia, o papel da psiquiatria nesse momento e ainda sobre assuntos na área. Confira:  

Frisson: Primeiro, pode explicar a área da psiquiatria? Qual sua principal área de estudo e, ainda, o que o motivou a segui-la?

Alexandre Aquino: A psiquiatria é uma especialidade da medicina que lida com o diagnóstico e tratamento dos transtornos mentais. O psiquiatra precisa fazer formação em Medicina e, depois, mais 3 anos de residência médica em psiquiatria, onde recebe treinamento e formação para compreender os fatores etiológicos, neurobiológicos e psicossociais envolvidos no adoecimento psíquico. É o profissional que pode tratar esses quadros por meio de intervenções farmacológicas e psicoterápicas. 

Minha principal área de atuação se concentra na psiquiatria da infância e adolescência, onde atendo muitos casos de transtorno do espectro autista (TEA), transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), além dos outros quadros descritos no público infantojuvenil. 

Durante minha formação médica sempre me identifiquei com 2 áreas: psiquiatria e pediatria. Quando descobri que poderia, de certa forma, unir essas 2 áreas de interesse não tive mais dúvidas de que seguiria a área da psiquiatria da infância e adolescência.

Frisson: Uma dúvida frequente é sobre a diferença entre psiquiatria e psicologia. Pode explicar? 

Alexandre Aquino: Acredito que tenha deixado claro como é a formação do profissional da psiquiatria na resposta anterior. O profissional da psicologia tem uma formação na área das ciências humanas, buscando compreender o papel das funções mentais e dos condicionantes sociais e culturais no comportamento individual e social. Também estudam os processos neurobiológicos, mas com enfoque diferente do profissional da psiquiatria. Podemos dizer, didaticamente, que o psiquiatra lida mais com as “doenças mentais”, enquanto o psicólogo trabalha compreendendo os conflitos existenciais e relacionais, utilizando técnicas de psicoterapia para auxiliar seus clientes num processo de autoconhecimento.

Frisson: O senhor é especialista em psiquiatria infanto-juvenil. Quais especificidades existem nessa área voltada para crianças e adolescentes? 

Alexandre Aquino: O psiquiatra da infância e adolescência, além da formação do psiquiatra geral, necessita de treinamento específico para compreender a dinâmica do desenvolvimento socioemocional e dos marcos do desenvolvimento esperados para cada faixa etária. Além disso, existe um foco especial na compreensão da dinâmica familiar, uma vez que pais e cuidadores costumam exercer uma forte influência nos processos de saúde-doença das crianças e adolescentes. Durante a entrevista psiquiátrica com esse público, necessitamos usar uma linguagem mais apropriada, respeitando a capacidade cognitiva de compreender determinados conceitos, além de utilizar recursos lúdicos para a coleta de informações (pinturas, desenhos, brinquedos etc). 

Frisson: A Covid tem mudado a vida das pessoas. Como isso pode prejudicar a saúde mental?

Alexandre Aquino: Estamos vivendo um processo de isolamento social longo e que nunca imaginamos passar. Nós somos seres relacionais e muitas evidências apontam que uma boa rede de apoio social está associada a uma maior percepção de qualidade de vida e saúde mental. Isso está sendo prejudicado durante esse período da pandemia. O fato de estarmos sendo expostos constantemente a reportagens, mensagens de casos de óbitos, complicações decorrentes do COVID também contribui para aumentar o medo e contribuir para sintomas ansiosos e depressivos. Além disso, muitas pessoas estão passando pela experiência de perderem entes queridos ou amigos em decorrência da pandemia e o processo de luto está sendo prejudicado por conta da medidas de segurança de isolamento social.

Frisson: Acredita que tem acontecido um aumento de pessoas em busca de saúde mental desde o começo da Covid? Se sim, quais motivos específicos da pandemia ocasionaram esse aumento? 

Alexandre Aquino: Existe uma percepção geral de que as pessoas estão sofrendo um impacto psicológico maior decorrente da pandemia. Algumas pessoas que já faziam tratamento psiquiátrico observaram piora de seus sintomas. Um fato importante para essa piora foi a interrupção de alguns processos terapêuticos, como atendimento em psicoterapia e terapia ocupacional, uma vez que nem todas as pessoas conseguem se adequar ao atendimento remoto. Muitas pessoas também estão passando por dificuldades financeiras, situações de desemprego que são importantes contribuintes para a piora da qualidade de vida e sofrimento. Os outros fatores já foram abordados na resposta anterior, ou seja, o próprio isolamento social, lidar com mortes de conhecidos e o aumento do medo pela exposição a notícias da pandemia. 

Frisson: Ainda, como o senhor vem observando o efeito da pandemia em crianças e adolescentes. Como tem sido a pandemia especificamente para eles? 

Alexandre Aquino: Esse público vem sentindo muito a falta das aulas presenciais e do convívio social. A escola não é apenas um local onde se aprende matérias como português ou matemática. É um espaço que contribui muito para o desenvolvimento sócio emocional, uma vez que esse amadurecimento passa diretamente por experiências de convivência com os pares. Muitas crianças de baixa renda sequer estão conseguindo ter acesso a aulas. Este é um impacto difícil de mencionar, mas os prejuízos cognitivos parecem muito claros para essa “geração COVID”. Além disso, existem evidências de aumento de violência doméstica e situações de abuso infantil. A literatura científica é clara quanto ao fato destas situações serem fatores de risco importantíssimos para o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos, atuais ou futuros.

Frisson: O senhor é chefe do serviço de psiquiatria do HGF. Como está a situação lá?

Alexandre Aquino: Houve uma redução importante dos atendimentos ambulatoriais por conta do HGF estar voltado para atender a demanda dos casos de COVID do Estado. Muitos pacientes internados estão demonstrando sintomas psiquiátricos e, por isso, o serviço de psiquiatria tem sido muito acionado para auxiliar nos cuidados desses indivíduos, por meio de interconsultas. Além disso, em conversa com alguns colegas de trabalho, temos a percepção do nível de esgotamento profissional que muitos estão passando. É realmente uma tragédia sanitária com consequências emocionais em todos, pacientes e profissionais de saúde. 

Frisson: Um dos resultados da pandemia tem sido o chamado cansaço pandêmico ou fadiga pandêmica. O senhor conhece esse termo? Se sim, pode explicar o que ele é e o que o motiva? 

Alexandre Aquino: A fadiga pandêmica é um estado emocional descrito pela OMS onde as pessoas vêm se percebendo muito apáticas, com tédio e hipervigilantes quanto ao receio de contrair o coronavírus, levando a uma sensação de cansaço constante. Isso acaba levando, muitas vezes, a um descuido com os autocuidados necessários para prevenir o contágio. Isso decorre do longo período de isolamento social pela qual passamos, da alteração de nossas rotinas e das consequências econômicas e sociais percebidas por todos, gerando um forte sentimento de frustração e desânimo. Além disso, três outros fatores contribuem para esse estado de cansaço constante: aumento do sedentarismo, alterações do sono e a fadiga provocada pelo excesso de atividades on-line. O isolamento social e a restrição ao acesso a áreas de lazer e academias está levando a maiores taxas de sedentarismo e isso ocasiona uma maior sensação de letargia, falta de energia. Quanto ao sono, alguns trabalhos confirmam que as pessoas estão tendo uma piora na qualidade de sono em decorrência, em parte, pela mudança de rotina (às vezes, ausência de rotina) imposta pela pandemia, o que gera uma sensação de cansaço e sonolência diurna. Por último, o excesso de atividades remotas leva a maiores queixas de dor de cabeça, requer mais de nossa atenção e ainda tem o estresse gerado por problemas de conexão. Está sendo chamada, por alguns especialistas, de “Fadiga Zoom” (em referência ao aplicativo de videoconferência).

Frisson: Há outros sintomas e consequências da pandemia que o senhor observa ou que estudou sobre? 

Alexandre Aquino: No campo da psiquiatria da infância e adolescência tenho percebido uma maior frequência de sintomas obsessivos-compulsivos, com alguns diagnósticos de TOC. Além disso, boa parte das famílias com alguma criança com TEA estão sofrendo muito com a ausência dos atendimentos da equipe multiprofissional, gerando um maior estresse familiar. Me preocupa, em especial, o impacto que a ausência de aulas presenciais e o aumento de crianças vítimas de violência doméstica possam acarretar num futuro a médio prazo.

Frisson: Que sintomas psiquiátricos deverão perdurar, mesmo com o fim da pandemia?

Alexandre Aquino: Essa é uma pergunta ainda difícil de responder. Embora tenhamos observado um aumento de sintomas depressivos e ansiosos durante a pandemia, estudos recentes contradizem a ideia geral de que houve um aumento da prevalência dos transtornos psiquiátricos durante a pandemia. É importante ressaltar essa diferença: ter sintomas depressivos e ansiosos não quer dizer que você tenha necessariamente o diagnóstico de algum transtorno depressivo ou de ansiedade. Necessitamos observar, de perto, os próximos estudos para averiguar se teremos, ou não, diferença nessa prevalência.

Frisson: Que dicas você dá para as pessoas conseguirem preservar a saúde mental, principalmente as pessoas que estão em EAD/home office? 

Alexandre Aquino: Acredito que uma orientação essencial é o estabelecimento de uma rotina com diversidade de atividades. Temos que reservar horários para a prática de atividades físicas (em casa mesmo. Vários vídeos no YouTube podem nos ajudar nisso), para atividades lúdicas (pintar, fazer crochê, tocar um instrumento musical, etc), para meditar. É uma boa oportunidade para as famílias passarem mais tempo juntas, conversarem mais uns com os outros e compartilhar atividades de interesse (jogos de tabuleiro, filmes, etc). É muito importante estabelecer horários regulares de sono e evitar o uso excessivo de eletrônicos no período antes de dormir. Nas atividades on-line faça pequenas pausas para descansar seus olhos, reduza a quantidade de estímulos na tela, não seja multitarefa (concentre-se nas aulas ou trabalho). Tenha uma alimentação saudável. Por último, mantenha a fé e esperança de que tudo isso vai passar.

PUBLICIDADE